A teoria do desvio produtivo do consumidor e a possibilidade de indenização por despedício de tempo
- Resolvere
- 30 de out. de 2023
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Atualizado: 26 de fev. de 2024

No sistema capitalista, o tempo é entendido enquanto uma espécie de recurso produtivo escasso e finito.
Desse modo, uma das principais insatisfações humanas é justamente a perda de tempo, sobretudo em razão do tempo ser sustentáculo da própria existência, uma vez que nele a vida se desenvolve.
Entretanto, mesmo diante da escassez e finitude do tempo, nas relações de consumo, evidencia-se que o fornecedor tem imposto ao consumidor a perda de tempo vital ao colocar no mercado produtos e serviços defeituosos.
Diante dos defeitos nos produtos e serviços fornecidos, o consumidor despende de seu tempo existencial para tentar solucioná-los. Todavia, entre protocolos de atendimento e reclamações nos órgãos competentes, o consumidor não obtém êxito para solucionar os problemas advindos da relação de consumo.
Por diversas vezes, o consumidor não obtém uma solução para o problema em razão dos fornecedores não empregarem os meios necessários para solucionar, de forma efetiva, os problemas de consumo reclamados.
Nesse contexto, a pessoa consumidora é submetida a desgaste desnecessário que ultrapassa a seara do mero aborrecimento, atinge-lhe a esfera pessoal, fato que lhe ocasiona verdadeiro dano.
Diante disso, surge a teoria do desvio produtivo do consumidor, que trata da possibilidade de indenização pelo desperdício de tempo vital do consumidor para obter uma solução para os problemas atinentes à relação de consumo.
Conforme a referida teoria, a desnecessária perda de tempo existencial provocada pelo fornecedor para reconhecer o direito do consumidor caracteriza prática abusiva na relação consumerista, sendo apta a gerar indenização por danos morais.
Para Dessaune (2019), percursor do desenvolvimento da teoria no Brasil, o desvio produtivo pode ser definido enquanto o evento danoso que encontra consumação quando o consumidor, diante de um defeito no produto ou serviço, desperdiça o seu tempo de vida em busca de uma solução para o problema, desviando-se de realizar suas atividades existenciais.
Indenização por danos morais em razão do desvio produtivo do consumidor
A situação descrita anteriormente preenche os requisitos necessários para a configuração da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta do fornecedor, o dano causado ao consumidor e o nexo causal entre a conduta e o dano ocasionado.
A conduta do fornecedor em não adotar os meios necessários para solucionar os defeitos atinentes aos produtos e serviços fornecidos é abusiva e causa verdadeiro dano ao consumidor, uma vez que este perde tempo vital para obter uma resolução para o problema enfrentado.
Além disso, pontua-se que há uma clara violação à direito da personalidade em razão do desgaste físico e psicológico do consumidor em busca de uma solução para o problema advindo da relação de consumo. Logo, evidencia-se a ocorrência de dano moral, sendo certo o dever de indenizar.
A aplicação da teoria do desvio produtivo para o reconhecimento de dano moral coletivo
Atualmente, os tribunais superiores pátrios têm aplicado a teoria do desvio produtivo e firmado entendimento no sentido de reconhecer a ocorrência de dano moral coletivo causado pelas instituições financeiras aos consumidores.
Conforme Nancy Andrighi, ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a falha na prestação de serviço nas agências bancárias em razão, sobretudo, da existência de caixas eletrônicos inoperantes, torna excessivo o tempo de espera para o atendimento, configurando a ocorrência do dano moral coletivo (Resp. 1.929.288 – TO).
Dessa forma, observa-se que os tribunais pátrios têm entendido que a precariedade do atendimento nas agências bancárias ocasionada pela falta de pessoal suficiente e por problemas técnicos no sistema de automação (caixas eletrônicos) gera desvio produtivo do consumidor e, por via de consequência, a perda de seu tempo de vida.
Diante disso, verifica-se que a conduta das instituições financeiras viola o direito individual homogêneo dos consumidores de ter acesso a produtos e serviços de qualidade. Logo, submetem a coletividade ao desperdício do tempo vital em evidente violação ao interesse social, fato que gera o dano moral coletivo.